Ferro
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Ora quem é que não sabe
O que é se sentir sozinho
Mais sozinho que um elevador vazio
Achando a vida tão chata
Achando a vida mais chata
Do que um cantor de soul
Sou eu quem te refresca a memória
Quando te esqueces de regar as plantas
E de dependurar as roupas brancas no varal
Só faz milagres quem crê que faz milagres
Como transformar lágrima em canção
Vejo os pombos no asfalto
Eles sabem voar alto
Mais insistem em catar as migalhas do chão
Sei rir mostrando os dentes
E a língua afiada
Mais cortante que um velho blues
***
Sim, a hora nova é pelo menos muito severa.
Pois posso dizer que conquistei a vitória: o ranger de dentes, os silvos de fogo, os suspiros pestilentos se abrandam. Desfazem-se todas as lembranças imundas. As últimas queixas se afastam de mim, — inveja dos mendigos, dos salteadores, dos amigos da morte, de todos aqueles que foram passados para trás. — Malditos, se eu me vingasse!
Devemos ser totalmente modernos.
Nada de cânticos: não arredar o pé do terreno conquistado. Dura noite! o sangue ressequido fumega no meu rosto, e nada tenho atrás de mim a não ser este horroroso arbusto!... O combate espiritual é tão brutal quanto a batalha entre os homens; mas a visão da justiça é o prazer só de Deus.
Entretanto, é a vigília! Recebamos todos os influxos de vigor e de ternura real. E, ao romper da aurora, armados de uma grande paciência, entraremos nas esplêndidas cidades.
Falava a respeito de uma mão amiga? Já é uma grande vantagem que eu possa rir dos velhos amores ilusórios, e fazer com que se envergonhem esses casais mentirosos, - vi o inferno das mulheres, lá embaixo; - e me será permitido possuir a verdade em uma alma e um corpo.
Arthur Rimbaud
De Uma Temporada no Inferno, tradução de Ledo Ivo.
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